domingo, 31 de outubro de 2010

O Menino Perdido - Pablo Nerura




Lenta infância de onde como de um pasto comprido cresce o duro pistilo, a madeira do homem. Quem fui? O que fui? O que fomos? Não há resposta. Passamos. Não fomos. Éramos. Outros pés, outras mãos, outros olhos. Tudo foi mudando folha por folha, na árvore. E em ti? Mudou a tua pele, o teu cabelo, a tua memória. Aquele que não foste. Aquele foi um menino que passou correndo atrás de um rio, de uma bicicleta, e com o movimento foi-se a tua vida com aquele minuto.
A falsa identidade seguiu os teus passos. Dia a dia as horas se amarraram, mas tu já não foste, veio o outro, o outro tu, e o outro até que foste, até que te arrancaste do próprio passageiro, do trem, dos vagões da vida, da substituição, do caminhante. A máscara do menino foi mudando, emagreceu a sua condição enfermiça,
aquietou-se o seu volúvel poderio: o esqueleto se manteve firme, a construção do osso se manteve, o sorriso, o passo, o gesto voador, o eco daquele menino nu que saiu de um relâmpago, mas foi o crescimento como um traje! Era outro o homem e o levou emprestado.
Assim aconteceu comigo.
De silvestre cheguei a cidade, a gás, a rostos cruéis que mediram a minha luz e a minha estatura, cheguei a mulheres que em mim se procuraram como se a mim tivessem perdido, e assim foi sucedendo o homem impuro, filho do filho puro, até que nada foi como tinha sido, e de repente apareceu no meu rosto um rosto de estrangeiro e era também eu mesmo: era eu que crescia, era tu que crescias, era tudo, e mudamos e nunca mais soubemos quem éramos, e às vezes recordamos aquele que viveu em nós e lhe pedimos algo, talvez que se recorde de nós, que saiba pelo menos que fomos ele, que falamos com a sua língua, mas das horas consumidas aquele nos olha e não nos reconhece.

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