terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O espelho de um guarda-roupa.


(...)

II

Um homem
com um espelho (feito
um segundo esqueleto)
embutido no corpo
não pode
bruscamente voltar-se para trás
não pode
juntar nada do chão
e quando dorme
é como um acrobata
estendido sobre um relâmpago

Um homem com um espelho
enterrado no corpo
na verdade não dorme: reflete
um vôo

Enfim, esse homem
não pode falar alto demais porque os espelhos só guardam
(em seu abismo)
imagens sem barulho

III

Carregar um espelho
é mais desconforto que vantagem:
a gente se fere nele
e ele
não nos devolve mais do que a paisagem

Não nos devolve o que ele não reteve:
o vento na copas
o ladrar dos cães
a conversa na sala
barulhos
sem os quais
não haveria tardes nem manhãs

Ferreira GULLAR!



segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Tarancón


Quando quis ouvir falar sobre Tarancón pela primeira vez, foi então que pela primeira vez alguém falou de música de verdade; falou de historia; geografia; falou da "necesidad" de compreender um estilo musical pela sua biografia cultural.

Então entendi!

É ouvir todo o povo latino americano cantar sobre natureza, sobre o amor, sobre um povo que vive para viver sorrindo sob os percalços... é ser fez, é ser esse de gente de cor, com musica, com vida; com cariño!!

domingo, 7 de novembro de 2010

O deserto - Albert Camus


(...) Viver é certamente um pouco de exprimir (...). Viver é testemunhar três vezes, no silencio, na flama e na imobilidade!

Se Rimbaud terminou seus dias na Abissínia sem escrever uma só linha, não foi pelo gosto da aventura nem por renúncia à sua condição de escritor. Foi “porque a coisa é assim mesmo” e porque, num certo ponto de nossa consciência, terminamos por admitir justamente aquilo que todos nos esforçamos por não compreender, conforme nossa vocação. Percebe-se claramente que, nesse caso, se trata de empreender a geografia de um certo deserto. Mas esse deserto singular não é sensível senão àqueles capazes de nele viverem, sem jamais eludir a sede. É então, e somente então, que ele se povoa das águas vivas da felicidade.

Pois conheço certos momentos e lugares em que a felicidade pode parecer-nos tão amarga que preferimos apenas sua promessa. Isso porque, nesses momentos ou nesses lugares, eu não tinha coragem bastante para amar, isto é, para não renunciar.

Clarice Lispector!


"Mas é que a verdade nunca fez sentido. A vida não me fez sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? Mas se eu nunca falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia."


domingo, 31 de outubro de 2010

O Menino Perdido - Pablo Nerura




Lenta infância de onde como de um pasto comprido cresce o duro pistilo, a madeira do homem. Quem fui? O que fui? O que fomos? Não há resposta. Passamos. Não fomos. Éramos. Outros pés, outras mãos, outros olhos. Tudo foi mudando folha por folha, na árvore. E em ti? Mudou a tua pele, o teu cabelo, a tua memória. Aquele que não foste. Aquele foi um menino que passou correndo atrás de um rio, de uma bicicleta, e com o movimento foi-se a tua vida com aquele minuto.
A falsa identidade seguiu os teus passos. Dia a dia as horas se amarraram, mas tu já não foste, veio o outro, o outro tu, e o outro até que foste, até que te arrancaste do próprio passageiro, do trem, dos vagões da vida, da substituição, do caminhante. A máscara do menino foi mudando, emagreceu a sua condição enfermiça,
aquietou-se o seu volúvel poderio: o esqueleto se manteve firme, a construção do osso se manteve, o sorriso, o passo, o gesto voador, o eco daquele menino nu que saiu de um relâmpago, mas foi o crescimento como um traje! Era outro o homem e o levou emprestado.
Assim aconteceu comigo.
De silvestre cheguei a cidade, a gás, a rostos cruéis que mediram a minha luz e a minha estatura, cheguei a mulheres que em mim se procuraram como se a mim tivessem perdido, e assim foi sucedendo o homem impuro, filho do filho puro, até que nada foi como tinha sido, e de repente apareceu no meu rosto um rosto de estrangeiro e era também eu mesmo: era eu que crescia, era tu que crescias, era tudo, e mudamos e nunca mais soubemos quem éramos, e às vezes recordamos aquele que viveu em nós e lhe pedimos algo, talvez que se recorde de nós, que saiba pelo menos que fomos ele, que falamos com a sua língua, mas das horas consumidas aquele nos olha e não nos reconhece.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Waking Life


Em uma descoberta, ou reconhecimento, melhor dizendo, recuperando muitas filosofias através de diálogos. Um filme proporcionando um leque de teorias, onde na maior parte muitos pensadores são citados. Esteticamente, um filme onde você pode escolher além do campo de compreensão entre o visual (Fotografia cinematográfica sobre textura, com animações sensitivas), conceitual. Muitas vezes a informação visual bloqueia os diálogos, mostrando para o espectador a confusão entre ação (visual) e teoria (Diálogos).

- Ele é ação sem teoria, nós somos teoria sem ação."

Surpresas bastante agradáveis para quem já havia assistido outros dois filmes do mesmo diretor Richard Linklater, O Antes do Amanhecer e Antes do Por do Sol, encontrando os mesmos personagens, estrelados pelos atores Ethan Hawke e Julie Delpy em uma espécie de “continuação” das conversas dos dois filmes do diretor.

Um convite não para tentarmos entender alguma coisa, mas um gostoso, divertido e inteligente convite para complicar ainda mais esse fascinante diálogo com nós mesmos.

Ele disse: "- É sempre nossa a decisão de quem somos." - Aí vai a minha crítica à Sartre: "A decisão sempre é nossa, mas nem sempre podemos ou temos capacidade para sermos aquilo que desejamos..."

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A Voz


(...) Desde então
É que data o que enfim dizemos minha chaga,
Minha fatalidade. E por trás da ilusão
Desta existência, imensa, e no mais negro abismo,
Eu posso distinguir os mundos singulares,
E, vítima por fim deste êxtase em que cismo,
Eu arrasto reptis junto aos meus calcanhares.
E assim como um profeta é que eu, desde este dia,
Adoro docemente o deserto e o mar largo,
Que eu choro nos festins e rio na agonia
E acho um suave sabor no vinho mais amargo,
Que eu eu tomo com freqüência os fatos por ficções,
que eu olho pra cima e vou caindo aos poucos.
Mas me consola a voz: "Ah, conserva as ilusões!
Pois não sonham melhor os sábios do que os loucos!"

Charles Baudelaire

domingo, 10 de outubro de 2010

Nunca te vi, Sempre te amei.


"Tivesse eu os céus bordados em tecidos envolvidos por luz dourada e prateada, tecidos claros e escuros representando o dia e a noite, eu os espalharia sob seus pés. Mas, como sou pobre, tenho apenas meus sonhos. Espalhei meus sonhos sob seus pés. Caminhe suavemente:

Você pisa em meus sonhos."


Ele mostra um coisa legal além de um romance platônico; crise histórica dos paises, Helen Hanff (Annie Bancroft) em uma relação incrível com o Frank Doel (Anthony Hopkins), resultando desse “encontro” um envolvimento criando um laço de amizade com todos os outros colaboradores da livraria. E sem falar na dimensão literária; pois você assiste e quando acaba, corre para um livro... Deixando o sabor das páginas e o cheiro das prateleiras.