segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Palavra - Carlos Pena Filho

See full size image

Carlos Pena Filho

Navegador de bruma e de incerteza,

Humilde me convoco e visto audácia

E te procuro em mares de silêncio

Onde, precisa e límpida, resides.

Frágil, sempre me perco, pois retenho

Em minhas mãos desconcertados rumos

E vagos instrumentos de procura

Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

Por ver que és claridade e superfície,

Desprendo-me do ouro do meu sangue

E da ferrugem simples dos meus ossos,

E te aguardo com loucos estandartes

Coloridos por festas e batalhas.

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos

E a precisão astuta dos meus olhos

E fabrico estas rosas de alumínio

Que, por serem metal, negam-se flores

Mas, por não serem rosas, são mais belas

Por conta do artifício que as inventa.

Às vezes permaneces insolúvel

Além da chuva que reveste o tempo

E que alimenta o musgo das paredes

Onde, serena e lúcida, te inscreves.

Inútil procurar-te neste instante,

Pois muito mais que um peixe és arredia

Em cardumes escapas pelos dedos

Deixando apenas uma promessa leve

De que a manhã não tarda e que na vida

Vale mais o sabor de reconquista.

Então, te vejo como sempre foste,

Além de peixe e mais que saltimbanco,

Forma imprecisa que ninguém distingue

Mas que a tudo resiste e se apresenta

Tanto mais pura quanto mais esquiva.

De longe, olho teu sonho inusitado

E dividido em faces, mais te cerco

E se não te domino então contemplo

Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,

E sei que és mais que astúcia e movimento,

Aérea estátua de silêncio e bruma


Declaração em Juizo



Peço desculpas de ser
o sobrevivente.
Não por longo tempo, é claro.
tranqüilizem-se.
Mas devo confessar, reconhecer
que sou sobrevivente.
Se é triste/cômico
ficar sentado na platéia
quando o espetáculo acabou
e fecha-se o teatro,
mais triste/grotesco é permanecer no palco,
ator único, sem papel,
quando o público já virou as costas
e somente baratas
circulam no farelo.

Reparem: não tenho culpa.
Não fiz nada para ser
sobrevivente.
Não roguei aos altos poderes
que me conservassem tanto tempo.
Não matei nenhum dos companheiros.
Se não saí violentamente,
se me deixei ficar ficar ficar,
foi sem segunda intenção.

Largaram-me aqui, eis tudo,
e lá se foram todos, um a um,
sem prevenir, sem me acenar,
sem dizer adeus, todos se foram.
(Houve os que requintaram no silêncio).
Não me queixo. nem os censuro.
Decerto não houve propósito
de me deixar entregue a mim mesmo,
perplexo,
desentranhado.
Não cuidaram que um sobraria.
Foi isso. tornei, tornaram-me
sobre - vivente.

Se se admiram de eu estar vivo,
esclareço: estou sobrevivo.
Viver, propriamente, não vivi
senão em projeto. adiamento.
Calendário do ano próximo.
Jamais percebi estar vivendo
quando em volta viviam quantos! quanto.
Alguma vez os invejei. outras, sentia
pena de tanta vida que se exauria no viver
enquanto o não viver, o sobreviver
duravam, perdurando.
E me punha a um canto, à espera,
contraditória e simplesmente,
de chegar a hora de também
viver.

Não chegou. Digo que não. Tudo foram ensaios,
testes, ilustrações. A verdadeira vida
sorria longe, indecifrável.
Desisti. Recolhi-me
cada vez mais, concha, à concha. Agora
sou sobrevivente.

Sobrevivente incomoda
mais que fantasma. Sei a mim mesmo
incomodo-me. O reflexo é uma prova feroz.
Por mais que me esconda, projeto-me,
devolvo-me, provoco-me.
Não adianta ameaçar-me. Volto sempre,
todas as manhãs me volto, viravolto
com exatidão de carteiro que distribui más notícias.
O dia todo é dia
de verificar o meu fenômeno.
Estou onde não estão
minhas raízes, meu caminho
onde sobrei,
insistente, reiterado, aflitivo
sobrevivente
da vida que ainda
não vivi, juro por deus e o diabo, não vivi.

Tudo confessado, que pena
me será aplicada, ou perdão?
Desconfio nada pode ser feito
a meu favor ou contra.
Nem há técnica
de fazer, desfazer
o infeito infazível.
Se sou sobrevivente, sou sobrevivente.
Cumpre reconhecer-me esta qualidade
que finalmente o é. Sou o único, entendem?
De um grupo muito antigo
de que não há memória nas calçadas
e nos vídeos.
Único a permanecer, a dormir,
a jantar, a urinar,
a tropeçar, até mesmo a sorrir
em rápidas ocasiões, mas garanto que sorrio,
como neste momento estou sorrindo
de ser - delícia? - sobrevivente.

É esperar apenas, está bem?
Que passe o tempo de sobrevivência
e tudo se resolve sem escândalo
ante a justiça indiferente.
Acabo de notar, e sem surpresa:
não me ouvem no sentido de entender,
nem importa que um sobrevivente
venha contar seu caso, defender-se
ou acusar-se, é tudo a mesma
nenhuma coisa, e branca.


- Carlos Drummont de Andrade -

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Audrey Hebpurn - Moon River em Bonequinha de Luxo


"Meu Amigo...
Era uma vez uma menina adorável e muito assustada.
Ela morava sozinha com exceção de um gato sem nome".



Indiscutivelmente, a canção Moon River parece soar como uma oração de amparo.
Bonequinha de Luxo, às vezes cenas cinematográficas, às vezes, sentimento!